Por Fabiana Bontempo. Cervejeira, Sommelière de Cervejas e Embaixadora da Krug Bier.
Até 1842 a cerveja era uma bebida geralmente escura e ácida. Uma confluência de circunstâncias trilhou o caminho para que uma cervejaria do Império Áustro-Húngaro desenvolvesse a primeira Pale Lager, que foi batizada com o nome da cidade onde foi criada: Pilsen.
As Pilsners são cervejas de cor dourada pálida com perfil de malte remetendo a pão, amargor em evidência mas apresentando equilibrado caráter de lúpulo, que pode trazer notas herbais ou florais. As Pilsners clássicas são feitas com lúpulos nobres Saaz e Hallertau e levedura de baixa fermentação e apresentam um nível de álcool por volume de 4,2% a 5,8%. São sedutoramente refrescantes e fáceis de beber.
O desenvolvimento do estilo Pilsen
Muitos de nós provavelmente já bebemos alguma cerveja de que não gostamos. Foi exatamente isso que aconteceu na região agora conhecida como Pilsen, República Tcheca, em 1839 – e os cidadãos fizeram algo dramático, levando à criação da primeira cerveja Pilsner. O estilo da cerveja conquistaria o mundo, mudando para sempre a maneira como os apreciadores vêem a cerveja.
Tudo começou com um episódio que tinha tudo para ser uma tragédia, mas acabou sendo o gatilho que levou à criação da cerveja que foi a base e inspirou o estilo mais produzido e consumido em todo o planeta até os dias de hoje.
No início do século 19, a qualidade da cerveja na Europa era pobre e os padrões variavam muito. Todos haviam percebido que a cerveja estava extremamente contaminada e estava completamente intragável. Até mesmo as cervejarias de Pilsen, com mais de 800 anos de experiência em fabricação de cerveja, tinham que enfrentar frequentes problemas de contaminação. As Ales eram propensas a se deteriorar por bactérias ou leveduras selvagens.
Em 1838 a qualidade atingiu o ponto mais baixo e as pessoas que bebiam se revoltaram, derramando 36 barris de cerveja da cidade nas ruas em frente à prefeitura.
Para os cidadãos de Pilsen isso foi a gota d´água. Era inadmissível que uma cidade com tamanha tradição em produção cervejeira ficasse marcada para a história com episódios como esse. Decidiram então construir uma nova e moderna cervejaria, onde pudessem ter mais controle nos processos e consequentemente, melhoria na qualidade da cerveja.
A nova cervejaria coletiva recebeu o nome de Bürgerbrauerei – que significa “Cervejaria dos Cidadãos” ou “Cervejaria Municipal”.
Sabendo que as cervejas mais famosas da época eram produzidas na Baviera, a cidade contratou dois bávaros: um construtor e arquiteto chamado Martin Stelzer e um mestre cervejeiro, Josef Groll.
Stelzer construiu a nova cervejaria às margens do rio Radbuza porque nesse local havia rocha de arenito para facilitar a escavação de túneis profundos, locais com temperatura ideal para a fermentação e maturação de cervejas com perfil neutro de levedura, como as lagers – e aqüíferos que forneciam água mole, relativamente livre de minerais.
Josef Groll há muito experimentava várias receitas para fazer as famosas cervejas bávaras de baixa fermentação. Ele também visitou cervejarias e aprendeu as mais recentes técnicas de malteação, especialmente com os produtores de malte britânicos, antes de fabricar cerveja em Pilsen.Em vez de usar os maltes mais escuros padrão da época, ele conseguiu um grão muito claro que produzia uma bebida dourada. Usou ainda grandes quantidades do aclamado lúpulo nobre Saaz, uma levedura lager de baixa fermentação, a água leve em minerais local e o processo “lagering” de caverna, que proporcionou uma clarificação na nova cerveja, nunca vista antes naquela região. Todos esses fatores utilizados em conjunto trouxeram um resultado surpreendente, que seria o maior marco na história da cerveja.
Josef Groll, criador da cerveja que seria a mais consumida em todo o mundo.
E assim Josef Groll apresentou aos cidadãos de Pilsen em 4 de outubro de 1842, no Mercado de St. Martin uma cerveja surpreendentemente clara, “crispy” e suave. A bebida foi sucesso imediato, uma vez que uma cerveja tão dourada nunca tinha sido vista antes.
O contrato de Josef Groll com a Pilsen Bürgerbrauerei foi extremamente curto e expirou em abril de 1845, após o que ele retornou à cervejaria de seu pai em Vilshofen, que mais tarde herdou. Quando Groll faleceu em 1887, ele provavelmente nunca percebeu a grande revolução que criou no mundo da cerveja.
A Pilsen evolui e conquista o mundo
A deliciosa bebida dourada rapidamente se espalhou para áreas adjacentes que tinham perfil de água semelhante e acesso aos campos de lúpulo de Saaz. O estilo rapidamente se tornou conhecido como Bohemian Pilsner (agora também chamado de Czech Pilsner) e logo se tornou popular na fronteira com a Baviera, que tinha acesso a água doce semelhante e lúpulo nobre da Baviera comparável.
O crescimento das ferrovias na Europa e o advento da refrigeração espalharam a popularidade da Pilsners para o norte da Alemanha e por toda a Europa, onde o estilo foi modificado para se adequar aos recursos cervejeiros locais. No norte da Alemanha, as adaptações resultaram em uma versão mais amarga e menos doce devido aos maiores níveis de sulfato na água. As versões boêmias tendem a ser mais suaves no amargor, mais maltadas e com um caráter de lúpulo mais leve.
As Pilsners têm três estilos distintos: tcheco, europeu e alemão. O estilo tcheco é rico em espuma, sabor leve e uma rica cor dourada. O estilo europeu é ligeiramente doce e não é necessariamente produzido a partir do malte de cevada. O estilo alemão tem um sabor amargo mais pronunciado, aromas florais e uma cor pálida a dourada.
No próximo post vamos falar sobre a nossa queridinha do momento aqui na Krug Bier, a Krug German Pils, com uma análise sensorial completa acompanhada de sugestões de harmonização surpreendentes. Não perca!